Imagine a cena: um teaser misterioso, exibindo fotos ou vídeos curtos com cortes estratégicos, exibindo apenas duas taças que brindam, duas mãos que se sobrepõem, sombras de um abraço – tudo ao som de uma música que insinua um clima de romantismo, mas sem nunca revelar demais. Poderia ser o lançamento de uma nova série, a campanha de um filme, quem sabe a prévia de uma coleção de moda… mas é só o anúncio discreto de que duas pessoas estão juntas, iniciando uma relação que, quem sabe, vire namoro, quando o suspense vai ser finalmente quebrado, com o casal se apresentando publicamente.
Esta é a lógica do “soft launch” de relacionamentos, uma estratégia de compartilhamento da vida pessoal que não mostra o todo, em uma calculada coreografia de indícios, suspense e curadoria de imagem que parece tratar o amor como mais um produto de consumo, para ser esbanjando, mesmo que com certa discrição, em plataformas como o Instagram.
“A primeira questão é que esse termo vem do marketing – e é curioso pensar em um relacionamento embrulhado como um produto, com nome e estratégia de divulgação”, provoca a comunicóloga e psicanalista Cinthia Demaria, que pesquisa as dinâmicas das interações entre pessoas no meio digital.
De fato, o “soft launch” opera com o mesmo léxico das campanhas publicitárias, com direito ao “teaser”, como um registro de mãos dadas, mas sem marcações ou detalhes que entreguem a identidade daquela segunda pessoa; ao “sneak peek”, que reproduz a lógica da apresentação de um trechinho de um novo single, neste caso, deixando os seguidores entreverem mais detalhes daquele alguém, como sua voz em um corte de conversa; e, por fim, ao “grande lançamento”, quando o casal finalmente aparece oficialmente – talvez até merecendo uma foto fixa, a famosa foto para o feed.
O porquê de tantos casais adotarem esse roteiro, porém, é algo que inquieta a psicanalista. E, sem spoiler, para ela é provável que essa resposta esteja menos no desejo de privacidade e mais na economia narcísica que move as redes sociais.
“É como se disséssemos: ‘Minha vida é tão interessante que você vai ter que decifrar os easter eggs’. Quer dizer, tem uma ilusão de que somos todos exclusivos, de que o mundo está ansioso por updates do nosso romance”, analisa, acrescentando que, ao contrário do que muita gente sustenta, o “soft launch” seria menos sobre proteger o relacionamento do olhar intrusivo e do excesso de exposição e mais sobre alimentar a própria imagem, no melhor estilo “vem aí”, que mantém a audiência – real ou imaginária – em suspense.
Eu, você e os algoritmos
Para a dinâmica a dois, o problema do “soft launch” – e de outros métodos de exposição das relações nas redes – está no quanto a tela vai ser parte integrante do romance, fazendo que o casal, além de lidar com as questões daquele enlace, ainda precise o tempo todo gerir sua imagem perante os outros.
“Fiquei pensando: como os casais combinam isso? Porque, veja bem, é um acordo quase empresarial. Será que eles vão estabelecer a estratégia de postar pistas por três semanas e depois fazer o anúncio oficial?”, reflete Cinthia Demaria, advertindo que, por essa lógica, o que era para ser íntimo vira conteúdo, e a relação ganha um coadjuvante inusitado: o algoritmo, que alimenta uma expectativa por likes, comentários, acrescentando mais camadas, mais questões para a lida do casal – apesar de que, se o celular for desligado, o relacionamento continuará ali, sem precisar se ver com essas demandas.
Há também quem acredite que o comportamento seja, na verdade, uma maneira de criar certa ambiguidade sobre o próprio status de relacionamento: uma forma de “estar junto” – inclusive mostrando para sua parceria que há um investimento naquela relação por meio dessas publicações –, mas, ao mesmo tempo, ao manter a fachada de mistério, sem estabelecer um vínculo muito claro, não fechar as portas para outros flertes, alimentando as esperanças dos “contatinhos” – quem sabe até os instigando a agir.
A psicanalista não descarta essa possibilidade. “Pode ser usado para não assumir compromisso, sim”, propõe, ponderando que, mesmo nesses casos, o que caracteriza o uso do “soft launch” é o desejo de gerenciar a própria marca, mais que a falta de comprometimento. “Tem a ver com firmar um laço consigo mesmo e com a audiência mais do que com o medo de se fechar para outras possibilidades”, sustenta.
Um antídoto ao fracasso?
Aplicada aos relacionamentos, a ferramenta de marketing pode ainda funcionar como uma armadura, como uma forma de evitar assumir publicamente um relacionamento por insegurança ou por receio de um possível fracasso – e, depois, ter de se explicar aos seguidores. Para Cinthia Demaria, porém, há um paradoxo inerente a essa lógica: quanto mais se tenta controlar a narrativa do amor, menos espaço sobra para o imprevisível, que é justamente o que torna as relações vivas. “O amor é apostar sem garantias. Quando você tenta embrulhá-lo como produto, perde o que ele tem de melhor, que é a surpresa”, avalia.
Por fim, na contramão desses tantos joguinhos para seduzir a atenção do outro, seja com a superexposição da vida privada, seja por meio de estratégias mais sofisticadas, como o “soft launch”, a psicanalista diz perceber outra tendência em crescimento: a daqueles que optam por não expor seus relacionamentos de maneira alguma, com muitos jovens escolhendo viver “offline”, resistindo à pressão pelo compartilhamento constante.
“Diante de tudo isso, a pergunta que fica é: por que tem que expor? A quem interessa esse relacionamento, se não apenas aos dois envolvidos?”, provoca, indicando que essa reflexão é essencial para que os casais não confundam a relação real com sua representação nas redes. “O amor tem mais a ver com desencontros e acordos do que com essa ideia de imagem totalizante”, assinala, antes de concluir que deveria ser prioridade o relacionamento, e não a forma como ele é divulgado.