Autista e portadora de uma condição genética que causa convulsões, Alannys, de 15 anos, sempre sofreu com problemas de aprendizado. Entretanto, em 2025, o seu desenvolvimento vem sendo ainda mais prejudicado pela ausência do convívio com os colegas e professores na escola, o que ocorreu após o governo de Minas descumprir decisões judiciais e suspender o transporte escolar que era oferecido aos alunos da rede estadual em Ribeirão das Neves, na região metropolitana de Belo Horizonte.
O fim do serviço público levou a Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG) e o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) a acionarem o Estado na Justiça, na última sexta-feira (6 de junho). Procurado, o Estado disse que se manifestará "nos autos do processo".
O defensor público Paulo César Azevedo explica que o problema teve início ainda em 2018, quando os órgãos de Justiça acionaram o Estado para exigir o fornecimento de transporte gratuito e regular para os alunos do ensino fundamental e médio no município da Grande BH. Após decisões favoráveis concedidas em 2020 e 2021, o governo ou a oferecer o serviço por meio de um convênio firmado com a prefeitura local.
"Entretanto, em 2024 esse convênio expirou e o Estado deixou de rear os recursos necessários, levando à suspensão do serviço. Com isso, em 2025, a Defensoria notou uma onda de famílias pedindo que o governo retomasse este transporte, sendo que, só nos primeiros meses do ano, foram 17 ações individuais movidas para garantir estes direitos destas crianças", detalha.
Azevedo destaca ainda que uma parte destas crianças prejudicadas são deficientes e, por isso, estariam sendo impedidas de frequentar as aulas. "Uma parte destas famílias está fazendo das tripas coração para poder custear uma forma de transporte. Mas algumas das crianças atendidas pela DPU têm algum grau de deficiência e estão sem frequentar a escola durante todo o período letivo de 2025", acrescenta.
É o caso de Alannys, que está sofrendo com as consequências da falta do transporte escolar. "Com as crises convulsivas que ela sofre, ela sofre uma perca de memória. E, agora, faltando à escola, está atrasando ainda mais a fala dela. O convívio com os professores, com outras crianças, é fundamental para a vida e para o desenvolvimento dela", afirma Juliana Ferreira Franze, de 43 anos, mãe da menina.
Problema também afeta o equilíbrio alimentar das crianças
Durante a entrevista a O TEMPO, o defensor Paulo César Azevedo lembrou ainda que a falta do transporte escolar, além de afetar o aprendizado, o desenvolvimento e a formação cidadã e acadêmica destes alunos, ela também causa o desequilíbrio nutricional dos estudantes.
"A falta do transporte para a escola também prejudica o equilíbrio alimentar e nutricional de crianças carentes, já que elas ficam sem a merenda que é servida. Isso também prejudica as famílias que, muitas vezes, não têm com quem deixar os filhos durante o turno escolar, o que acaba aprofundando a pobreza destas famílias. Portanto, é uma sucessão de danos que se prolongam por uma negligência estatal e um descumprimento de uma ordem judicial", completa o defensor.
Sem poder trabalhar para conseguir cuidar da filha, Juliana conta que vive de um salário mínimo do Benefício de Prestação Continuada previsto na Lei Orgânica da Assistência Social (BPC-LOAS), o que impede que ela arque com o transporte para a instituição de ensino.
"Não existe a possibilidade de eu trabalhar e conseguir pagar o transporte escolar, até porque seria um transporte adaptado. Vez ou outra eu consigo levar minha filha para a escola, mas isso traz um impacto na minha economia. Não tenho condições de pagar todos os dias", reclama.
Diante da constatação, a DPMG e o MPMG ajuizaram a ação que pede que o Estado "retome o fornecimento do transporte no prazo de dez dias".
O que diz o Estado?
Procurado, o governo de Minas informou, por nota, que a Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais (SEE/MG) ainda não foi notificada sobre a ação movida pelos órgãos de Justiça.
"Em respeito aos ritos forenses e à divisão dos Poderes, o Governo de Minas informa que não comenta ações judiciais e, quando intimado, se manifesta nos autos do processo", concluiu o Estado.